O crucificado ia afundando-se nas vastas solidões da agonia, e ao seu redor, começou, de improviso, a declinar a luz solar, e as trevas começaram a estender-se sobre a face da terra (Mat. 27, 45). No meio dessa escuridão cósmica, o Pobre de Deus foi mergulhando lentamente em outra treva interior, densa e desolada, em cujas torrentes se sentia afogar.
Devido a sua posição na cruz, nenhum músculo descansava. À dor física se juntava-se uma indizível fadiga muscular. Ia perdendo incessantemente a exígua capacidade de resistência que lhe restava, e as últimas gotas de sangue. A força de sofrer, a capacidade de sofrimento de Jesus foi se embotando cada vez mais, entrando num escuro enervamento geral, com os olhos cheios de névoas e por causa da febre altíssima, com uma nuvem confusa penetrando em sua própria mente.
Afundado neste tenebroso oceano, o Pobre de Deus foi entrando na noite desolada de sua vida:
– Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
Que houve? Um desconcerto diante do silêncio de Deus? Uma repentina noite escura do espírito?
A desolação estendeu suas asas cinzentas de um extremo ao outro do páramo infinito. Como aves de rapina, a ausência, o vazio, a confusão, o silêncio e a escuridão abateram-se sobre a alma de Jesus: Por que me abandonastes?
Seria sua morte uma desautorização pública e solene da vida e da obra de Jesus? Será que também o Pai estava sentado à porta para ver passar o condenado? Será que Deus teria desaparecido, virando distância sideral, vazio cósmico, vapor d’água? Por que me abandonastes?
O Pobre de Nazaré, mais pobre agora do que nunca, boiava sobre os abismos infinitos como um náufrago solitário. Onde agarrar-se? Nada sob seus pés, nada sobre sua cabeça. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Era o silêncio de Deus que tinha caído sobre sua alma com a pressão de mil atmosferas.
Mas a crise que Jesus tinha vivido até esse momento não era mais do que uma sensação. Uma coisa é a emoção e outra é a certeza. A sensação é enganosa, a certeza é infalível.
A consciência de sua identidade emergiu de brumas escuras e foi tomando conta do pouco da esfera vital do Pobre de Nazaré. Travou-se em sua alma a última batalha, a do saber contra o sentir. Jesus nunca esteve tão magnífico como nesse último momento de sua vida.
Era como se dissesse: – Meu Pai, acabo de atravessar as correntes do concerto. Estou saindo das ondas confusas, dos precipícios tenebrosos. Destroçaram-se a flor da certeza e me deram a beber um vinho amargo, um vinho inebriante. Espalhei meus clamores aos ventos do deserto e estou saindo de um reino desolado, cujos únicos moradores são as serpentes.
Mas tudo passou, meu Pai. A batalha chegou ao termo, o drama está consumado. O pesadelo que acabo de sofrer não foi mais do que uma horrível sensação. Mas o que importa não é sentir, é saber. Agora, uma ditosa certeza começou a inundar de alegria o meu último eu. Como contraste, e contra todos os espelhismos e sensações, no centro de minha alma levanta-se a certeza como uma espada reta e brilhante: Eu sei, meu Pai, eu sei que estais aqui, agora, comigo. E “em vossas mãos entrego minha vida”. (Lc 23,46).
Tirado do livro: “O pobre de Nazaré” capitulo VIII, item: “Nas águas profundas” de Frei Ignacio Larrañaga.