O encontro com Deus, quando é profundo, é eminentemente transformante. Deus assume e corrige o “eu” egocêntrico e obriga o homem a inserir-se nos espaços amplos do amor.
E eis a terrível desgraça do homem: ao assomar aos primeiros níveis da consciência, a criança começa a dissociar a imagem de si de sua verdadeira realidade.
À medida que a criança vai subindo os degraus da vida, essa dissociação também vai se ampliando. E à mesma medida a criança, sem dar-se conta, vai aureolando e engrandecendo a própria imagem, até o momento em que ao homem não mais importa sua realidade verdadeira, mas a sua imagem à qual adere de maneira emocional. Não lhe interessa o “como sou”, mas o “como me veem”; não “o que eu sou”, mas “o que imagino ser”; e assim o homem identifica, em simbiose idolátrica, a realidade com a imagem, a pessoa com a personagem. Estamos, portanto, diante de um “eu” artificial e inflado.
Esse “eu”, colocado assim entre aspas, não passa de uma quimera alucinante, ficção, ilusão e mentira. Em suma é um ídolo. Vive entre os delírios de grandeza. Quando cré que ama, na verdade ama a si mesmo. Quanto mais tem, mais acredita ser “senhor”, ao passo que de fato é mais escravo.
Por suas alucinações de grandeza, por suas manias de ser o primeiro e de estar à cabeça de todos, castiga-se o homem a si mesmo com o látego das invejas, das rivalidades e dos temores. E todas, absolutamente todas as guerras, suscitadas no decorrer da história, de irmãos contra irmãos, de famílias contra famílias, e de nações contra nações, foram e são ocasionadas e levadas a cabo pela vã ilusão de um “eu” (quer pessoal, quer coletivo) aureolado e artificial.
É eco longínquo daquele “sereis como deuses”; e palpita, no seio desse eco, o instinto obscuro e irresistível de exigir para si toda adoração e toda glória.
O desejo de ser “adorado” gera o temor de não ser adorado. A metade de sua vida luta e sofre o homem para conquistar uma imagem e vive a outra metade, aterrorizado pelo medo de perder essa imagem.
A instalação do “eu” no centro do seu mundo levanta ao seu redor espessas muralhas que o defendem e o separam. Ora, toda separação gera diferença, e toda diferença gera oposição: o meu de uma parte; o teu de outra; dois mundos opostos.
Resumindo: o homem é escravo de si mesmo. Precisa de libertação. E toda libertação consiste em deslocar o deus “eu” e substitui-lo pelo Deus verdadeiro. Substituição do “eu” pelo tu.
A salvação consiste em que o Deus verdadeiro seja meu Deus. Para isso é preciso despojar o coração de todos os deuses, de todas as manias de grandeza e de todas as quimeras que brotam em torno do ídolo “eu”; é preciso esvaziar o aposento interior de apropriações absolutizadas e divinizadas e abrir espaços livres no íntimo para que os ocupe Deus.
Pela vereda dos “nadas”, dirá São João da Cruz, subiremos ao cume do Todo.
Ao pobre que esta desnudo, o vestirão,
e a alma que se desnudar de seus apetites,
de seus quereres e não quereres,
Deus o revestirá de sua pureza, gosto e vontade.
Tirado do livro “Itinerário rumo a Deus”, de Frei Ignacio Larrañaga.