Passou-se mais de um ano inteiro, durante o qual fui ministrando, quase sem pausas, cursos de espiritualidade franciscana para irmãos e irmãs. Dada a estrutura das Semanas não havia oportunidade para realizar, pelo menos organizadamente, os desertos, nem mesmo os tempos fortes.
Naquele ano pude constatar experimentalmente, e pela primeira vez na vida, um fenômeno alarmante: quando se descuida da atividade de oração, Deus começa a transformar-se numa realidade cada vez mais ausente, distante e inexistente, e acaba por ser um conceito; e, num círculo vicioso implacável, vai se perdendo a vontade de estar com Ele.
À medida que isso acontece nascem, crescem e dominam os inimigos: o amor próprio, a suscetibilidade, o mau humor, o orgulho…. Tudo isso fui observando em mim mesmo. Assustei-me; e cheguei à conclusão de que os “tempos fortes” dedicados explicitamente a cultivar o convívio pessoal com o Senhor são assunto de vida ou morte para um homem consagrado a Deus.
Também percebi nitidamente outra coisa: como é fácil deixar Jesus para se dedicar às coisas de Jesus! Racionaliza-se com enorme facilidade afirmando que as urgências apostólicas têm prioridade em tudo e, hoje em dia, o importante não é rezar, e sim comprometer-se com os necessitados. Como consequência, vai-se deixando Jesus num segundo plano. Resultado imediato? Jesus deixa de ser aquela presença gratificante, e, por esse caminho, Ele acaba virando um Jesus Cristo congelado, desencantado. Sendo assim, sem um Jesus Cristo vivo, que sentido tem a vida evangélica, o celibato, o negar-se a si mesmo, o devolver o bem pelo mal, o perdoar o inimigo? Tudo se transforma em repressão e nada tem sentido.
Naquele ano tão vertiginoso tomei consciência da maneira como, tão insensivelmente, podia cair, também eu, nesse círculo mortal, e que não valem as elevadas experiências de tempos passados se não se persevera. Tomei, pois, uma firme resolução: já que durante o dia o programa das atividades não me permitia cumprir completamente tempos fortes, decidi madrugar todos os dias e dedicar sessenta minutos para cultivar a vida íntima com Deus, antes de começar o movimento matinal. E, salvo raras exceções, assim o fiz desde então, em 1970, até hoje, e sempre no mesmo quarto onde eu dormia.
A experiência da vida também me ensinou que, se o tempo forte não se coloca em prática nas primeiras horas da manhã, os compromissos vão se precipitando ao longo do dia até que, sem perceber, já nos surpreendeu a noite e o sono.
Não foi fácil manter em pé essa resolução dos tempos fortes diários ao longo de 27 anos. Está feito, porém a verdade é que uma infinidade de obstáculos se interpuseram no caminho, e foi preciso uma obstinada determinação para poder perseverar contra o vento e a maré.
Tirado do livro “A Rosa e o fogo” capitulo IV “Turbulências e altos e baixos”, de Frei Ignacio Larrañaga.