Entardecia. Os contrafortes do deserto começaram a projetar sombras alongadas sobre o vale do Jordão. Enquanto o povo se dispersava, o Pobre de Nazaré ficou imóvel por muito tempo, de pé, envolto num cúmulo de impressões contrárias.
Afundado nestas agitadas correntes interiores, abandonou o lugar e, sem se preocupar com um abrigo para a noite, foi para o interior do deserto com passo lento, a cabeça inclinada e o olhar fixo no chão. Depois de andar umas léguas, parou e sentou-se numa pedra, à beira do caminho. A noite baixava das montanhas apagando o perfil das coisas.
De repente, Jesus percebeu ao longe uma figura solitária que vinha na sua direção. Quando o caminhante chegou perto, o Pobre pode ver que se tratava de João, o Batizador. Cumprimentaram-se. João perguntou ao Pobre quem ele era, sentando-se a seu lado à luz das estrelas. Tiveram um encontro memorável.
– Estou achando muito pesado este machado de guerra, começou dizendo lentamente o Batizador, como para desabafar. – Mais do que o sedento deseja água, mais do que a sentinela espera a aurora, a minha alma aguarda o Enviado, para passar as suas mãos este pesado machado.
Houve um longo silêncio. O Pobre de Nazaré flutuava entre a estranheza e a compaixão diante daquele desabafo humano do profeta. Gostaria de ser concha de silêncio para acolher cada palavra do Batizador.
Levanta os olhos, profeta de Deus, e conte, se for capaz, essas miríades de estrelas. Todas parecem frias e silenciosas, mas, desde sempre e para sempre, elas cantam um hino imortal ao poder e ao amor do Altíssimo. O poder sozinho é morte, o amor, é vida. Mas se juntamos num mesmo acorde o poder e o amor não haverá raízes podres que deixem de sarar, nem ossos calcinados que deixem de se vestir de primavera, nem barrancos que se povoem de ciprestes, nem morte que não vire festa. Sempre falamos do Todo Poderoso. Quando é que vamos começar a falar do Todo Amoroso?
Houve um longo silêncio. Alguma coisa misteriosa estremeceu nas profundidades de João. Uma estrela errante, como um raio, abriu uma cicatriz de luz no firmamento escuro.
– Nossas profetas disseram – disse João como que falando consigo mesmo – que no Sinai o Senhor manejou com destreza o raio da ira, e que cavalgou sobre nuvens carregadas de fogo.
– Nosso Pai cavalga sempre sobre a nuvem branca da Misericórdia, respondeu docemente o Pobre.
-Nossos profetas – replicou João – afirmam que o povo é um rebanho de cabeça dura, que só entende a linguagem do chicote. E que o temor é uma chama que sobe devoradora e ameaçante, em cujo resplendor o povo de Deus volta tremendo ao caminho real. Se não for assim, vão confundir amor com franqueza, e acabam exagerando.
– Uma noite, não faz muito tempo – insistiu o Pobre – tive um sonho. Disseram-me que eu não tinha sido enviado para capitanear esquadrões de morte e me fizeram estas perguntas: que se colhe semeando sal? Que sentido tem vencer? Para que serve uma vitória militar? Eu não soube responder. Diante de meu silêncio, disseram: Filho do Homem, tome nota e escreva: você foi enviado para se inclinar até o chão e recolher amorosamente o verme que se arrasta pela terra, para que ninguém pise nele. Para sepultar no alto mar as mortalhas humanas. Para seduzir os pecadores sentando-se a mesa deles. Para se curvar sobre os rescaldos cobertos de cinzas e soprar amorosamente até que surja a chama viva. Para curar os passarinhos feridos. Para dar ânimo aos ossos carcomidos, até transformá-los em criaturas vivas. Para plantar roseiras nos desertos e fazer explodir a primavera nos cemitérios. Para colocar de pé os caniços derrubados pelo temporal. E para transformar com um toque mágico os bambus quebrados pelos pés dos transeuntes em flautas sonoras. E a voz acabou gritando fortemente: “Quero Misericórdia! ” Quando ouvi esse grito, acordei.
O Batizador, ficou profundamente comovido, sem força para continuar a conversa, com os cotovelos enterrados nos joelhos e a cabeça entre as mãos. O Pobre também estava calado. A noite era tão profunda que não dava para enxergar o outro, apesar de estarem bem perto. Quando os dois se calaram, tiveram a estranha sensação de que a terra tivesse desaparecido.
Tirado do livro “O pobre de Nazaré” capitulo 2 de Frei Ignacio Larrañaga.