Era uma noite brilhante e profunda como poucas. O ar estival do Alverne era fresco e morno ao mesmo tempo. O mundo dormia na paz eterna. Tudo era quietude e serenidade.
O Irmão, de pé, sobre as rochas, estendeu os braços, mergulhou nos abismos da fé e na imensidade de Deus. Naquela noite, tinha aparecido em sua alma energias misteriosas de “adesão”, novas forças de profundidade de “conhecimento” e amor.
Francisco não dizia nada. A palavra tinha caducado. A comunicação fazia-se de ser para ser, como quem submerge em águas profundas.
A mente de Francisco estava paralisada. Nela não havia nenhuma atividade diversificante ou analítica. Em um ato simples e total, Francisco estava “em” Deus. Era uma vivência densa, compenetrante, vivíssima, sem imagens, sem pensamentos determinados. Não precisava representar Deus porque Deus estava “aí”, “com” Francisco, e Francisco “com” Deus.
Deus era (que era?) um panorama infinito, sem muros nem portas, regado pela ternura; era um bosque de infinitos braços cálidos, em atitude de abraço, o ar estava povoado de milhares de enxames com mel de ouro: era uma maré irresistível, como se dez mil braços rodeassem e abraçassem o amado Francisco; era como se uma cheia de rio afogasse os campos.
Não sobrava nada. As estrelas tinham desaparecido, a note tinha submergido. O próprio Francisco tinha desaparecido. Restava apenas um Tu que abarcava tudo em cima e embaixo. Na frente e atrás, à direita e à esquerda, dentro e fora.
“Tu és Santo, Senhor Deus único, que fazes maravilhas.
Tu és forte, Tu és grande, Tu és Altíssimo.
Tu és o Bem, todo Bem, Sumo Bem.
Senhor, Deus vivo e verdadeiro.
Tu és caridade e amor, Tu és sabedoria.
Tu és humildade, Tu és paciência, Tu és segurança.
Tu és quietude, Tu és consolação, Tu és alegria.
Tu és formosura, Tu és mansidão.
Tu és nosso protetor, guardião e defensor.
Tu és nossa fortaleza e esperança.
Tu és nossa doçura.
Tu és nossa vida eterna, grande e admirável Senhor. ”
O “eu” de Francisco foi irresistivelmente atraído e tomado pelo Um, feito (Francisco) totalmente “um” com o Centro. Essa foi a grande páscoa. Porém, não houve fusão, pelo contrário. Francisco não só conservava mais nitidamente do que nunca a consciência de sua identidade pessoal, mas, quanto mais avançava mar adentro em Deus, aumentava de tal maneira a diversidade entre Deus e ele, que chegou a adquirir contornos inquietantes: “Quem és Tu e quem sou eu? ”
Francisco estava submerso na substância absoluta e imutável de Deus. Deus não estava com Francisco, era com Francisco. Deus ocupava-o inteiro, enchia-o completamente. E “em Deus”, para ele não havia longe, perto, aqui, ali. O Irmão tinha sido elevado acima do tempo e do espaço: tinham desaparecido as distâncias; ele começou a sentirse como o filho da imensidade.
Tirado do livro “O irmão de Assis” capitulo 6: “A última canção”, de Frei Ignacio Larrañaga.