O batismo de João tinha caráter penitencial: era um banho de água que simbolizava a purificação dos pecados. Por isso João pregava na beira do rio e os que ocorriam as suas margens “confessavam seus pecados”. (Mat. 3, 6) Marcos dirá que o batismo de João era um sinal de conversão, um rito “para o perdão dos pecados”. (Mc 1, 4; Lc 3,3)
Com os textos evangélicos à mão, é difícil, para não dizer impossível, escapar a conclusão de que, na fila dos penitentes e dos pecadores, Jesus buscava a “remissão dos pecados” Por que quis submeter-se ao rito penitencial dos pecadores? Por acaso não era o Filho de Deus, o sem pecado e o impecável, o Santo de Deus?
É inútil tentar buscar explicações sutis e impossíveis. Estamos diante do resplendor daquele a quem desde o princípio definimos e qualificamos como o Pobre de Nazaré. Estamos diante de uma música silenciosa convocando as vozes da noite para orquestrar um noturno. Numa noite como esta os chacais dormem, e as sondas baixarão até tocar o próprio coração da terra.
Estamos diante de uma das cenas mais comoventes do Homem de Nazaré em sua condição de Pobre: o Filho de Deus, luz de luz e nardo perfumado, espera pacientemente na fila das feras e dos falcões, fornicários e adultos, homens vestidos de tempestade e de faca na cintura; ele, o cordeiro branco e inerme, esperando sua vez como um a mais entre os pecadores para entrar nas águas purificadoras… naquele dia nasceu a Humildade, nasceram as suas asas poderosas com que pode subir as alturas mais elevadas.
Ressoam aqui as dissonâncias da Escritura, quando Paulo, quase como quem não quer nada, surpreende-nos com uma temível e atrevida expressão, afirmando que Deus “fez pecado por nós” (2 Cor 5, 21) aquele que não conhecia pecado. Isto é, Deus identificou legalmente seu Filho com o pecado, e fez com que pesasse sobre ele a maldição inerente ao pecado. Tudo isso vai culminar na cruz, mas aqui, na margem do rio, a humilhação ainda é mais dilacerante, porque o Pobre desce à água, envolto no barro da imundície humana, passando como pecador entre os pecadores. Chegamos a última plataforma da Encarnação: o Santo de Deus, sendo impecável, submetido a toda semelhança de pecado, feito “pecador“ com os pecadores, para elevá-los a santidade de Deus.
*** As palavras centrais do episódio do Jordão (“este é o meu Filho amado em quem ponho minhas complacências”) foram tomadas literalmente de Isaías 42, e se referem expressamente ao Servo de javé, o Pobre de Deus. Desse modo, no fundo do cenário do Jordão quem respira e se move é o Homem de Nazaré, investido e cingido estreitamente com todas as roupagens que perfilam a imagem do Pobre de Deus: “Eis o meu Servo, meu Escolhido, em quem ponho minha complacência. Coloquei meu espírito sobre ele: ditará a lei sobre as nações. Não vai vociferar, nem levantar a voz, ninguém vai ouvir sua voz na rua. Não arrebentará o caniço esmagado, não apagará a mexa bruxuleante”. (Is 42, 1-3)
Essa é a figura essencial do Pobre de Nazaré, como o estamos afirmando desde o começo. Um Pobre entre os pobres, revestido de mansidão e de misericórdia. Em todos os dias de sua breve vida foi um caniço crescido nas águas quietas e quebrado pelos pés dos transeuntes. Foi flauta de entranhas vazias em que os humildes podiam verter confiadamente o seu sopro para extrair dela uma música de consolação. Passou pelas praças e mercados recolhendo lágrimas e trocando-as por pérolas. Fez do silêncio sua morada, e ninguém escutou seu grito no vento. Como o regato conhece o mar antes de chegar à embocadura, assim os humildes o descobriam em suas pegadas perfumadas.
Ainda continua caminhando entre nós, ao anoitecer, envolto no manto do silêncio, derramando onde passa luzes e sementes.
Tirado do livro “O Pobre de Nazaré” de Frei Ignacio Larrañaga.