Comecemos abrindo diante dos olhos do leitor duas enormes faixas que, como chamas altíssimas, vão dar um resplendor a toda a atuação, ditos e feitos de Jesus neste primeiro período:
“Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda doença e enfermidade do povo. E sua fama chegou a toda a Síria. Traziam para ele os que sofriam algum mal, os atacados de doenças e dores diversas, os endemoninhados, os lunáticos, os paralíticos, e ele os curava. Grandes multidões o seguiam da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia e da Transjordânia”. (Mt 4, 23-25)
“Vinde a mim todos vós, fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre os ombros o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas. Pois meu jugo é suave e meu peso é leve”. (Mt 11, 28-30)
Haverá uma palavra mágica que possa sintetizar esses dois magníficos afrescos? Amor? De qualquer jeito, aqui está, vivo e palpitante, o mistério vivo do Pobre de Nazaré: o caminho que vai da pobreza ao amor. Nele, será que não tocamos na zona mais profunda de Jesus?
Tudo começa com um “coração pobre e humilde”. Jesus tinha uma música secreta que cantava em seu coração como uma melodia de fundo e que voltava a soar incessantemente como um “cantus firmus”. Tinha uma ideia clara de sua vocação, como se tivesse fixa em sua mente sua própria imagem, que correspondia à figura e destino de uma pessoa, não necessariamente histórica, imagem contemplada e assumida desde os dias de sua juventude: a figura e destino do Ebed-Javé, o Servo de Javé.
Ora, um pobre de Deus é um homem livre. Quem não tem nada e não quer ter nada não pode temer nada, porque o temor é um feixe de energias desencadeadas para a defesa das propriedades e apropriações, quando o proprietário as sente ameaçadas. Mas o que é que vai perturbar um Pobre como Jesus, que não fez outra coisa senão varrer até os vestígios de sua sombra, e que se dedicou a extirpar afãs protagônicos, sonhos de grandeza, sutis apropriações?
Por isso vemos Jesus como um profeta incorruptível, como uma testemunha insubornável, absolutamente livre diante dos poderes políticos e autoridades religiosas, diante dos amigos, seguidores e familiares, diante dos resultados de seu próprio ministério, inclusive diante da lei e da religião oficial.
Pois bem, de um homem livre nasce um homem disponível, porque graças a certos mecanismos misteriosos apresentam=se em nós certas constantes como, por exemplo: da negação nasce a afirmação; do desprendimento, a doação; da pobreza o amor; da morte, a vida. Em suma, as energias conaturais encadeadas na argola do egoísmo, quando livres e desenganchadas, ficam disponíveis para o serviço dos outros.
E assim nasce o Servidor. Se o profeta não começa por desprender-se, despojar-se, desapropriar-se, isto é, por fazer-se pobre, não pode servir a ninguém. Pelo contrário, sutil e camufladamente, serve-se de tudo e de todos. Por exemplo, um profeta pode entregar sua vida pelo povo, mas eventualmente, sem perceber, poderia estar transformando o povo numa plataforma para projetar a si mesmo e para sentir-se realizado parece servir ao povo e serve-se dele.
Conclusão? Só um homem puro, só um Pobre pode servir aos pobres. Qual é, então, o mistério final e vivo do Pobre de Nazaré? O caminho que vai da pobreza ao amor.
Em outras palavras, quem é Jesus de Nazaré? Alguém pobre-livre-disponível-servidor, que percorreu o caminho da pobreza ao Amor.
Tirado do livro “O pobre de Nazaré” Frei Ignacio Larrañaga OFM