A profundidade, eis a questão. Onde há profundidade, há vida. Onde há vida, aí está o homem. E onde está o homem, aí estão juntas a alegria e a dor.
Da profundidade saltam, como molas vivas, as grandes nascentes; e chegarão tanto mais alto quanto mais fundo for o subsolo de onde tiverem brotado.
A dor e a alegria têm o mesmo calado. Calado é a profundidade a que chega a quilha de um navio, em relação e a partir da linha de flutuação. A fundura que o gozo alcança, a dor também alcança. Tanto se sofre quanto se goza, e vice-versa.
Jesus foi o homem das dores porque tinha sido um poço de alegria, na mesma medida. E pode livrar-nos da dor porque tinha morado anteriormente na região da dor e a conhecia por experiência.
O Evangelho é uma boa nova, uma alegre notícia.
As raízes estão sempre na profundidade. E quando elas estão sadias e mergulhadas na terra úmida, até o mais alto da copa mostra-se vestido de tenro verdor. Se os mananciais são profundos e puros, toda água que brota deles é fresca e pura.
É assim que se explica porque o Evangelho é um hino a alegria. Tudo brota da profundidade humana de Jesus, e essa região estava habitada pela presença amada do Abba, a paternidade acolhedora de Deus.
Por isso, sua fonte interior chama-se gozo, paz. Dessa vertente brotavam as palavras e as atitudes de Jesus, e aquele estado de ânimo em que sempre o contemplamos, nimbado de confiança e de serenidade. Dessas mesmas latitudes, povoadas pela presença paterna, brotava também aquela obediência filial e aquela disponibilidade para com todos os órfãos e indigentes da humanidade.
No relacionamento pessoal de Jesus com Deus pressentimos uma carga infinita de ternura e de proximidade. Soa uma melodia inefável nas expressões que Jesus usava normalmente: “Pai meu”, “meu Pai”; vibra alguma coisa inteiramente especial nessas palavras, um quê de singular e único, cheio de confiança, segurança e alegria.
Por isso, do coração de Jesus Cristo brota uma mensagem cheia de felicidade, e temos a impressão de que Deus é como um imenso seio materno que envolve calidamente a humanidade inteira. O próprio Jesus nós sentimos como que envolto em chamas, frescas chamas de alegria.
“A completa novidade e o caráter único da invocação divina Abba nas orações de Jesus mostra que essa invocação expressa a essência da relação de Jesus com Deus. Jesus falou com Deus como uma criança fala com seu pai, cheio de confiança e seguro, ao mesmo tempo que respeitoso e disposto a obedecer”.
“Na invocação divina Abba manifesta-se o mistério supremo da missão de Jesus. Jesus tinha consciência de estar autorizado a comunicar a revelação de Deus, porque Deus se tinha dado a conhecer como Pai”.
Tirado do libro “Sofrimento e Paz” de Frei Ignacio Larrañaga OFM
