Os inimigos do homem. Tudo a que o homem resiste transforma-se em “inimigo”, como também tudo o que teme, porque o temor, de certa forma, também é resistência.
O homem teme e resiste a uma série de inimigos, por exemplo: a doença, o fracasso, o desprestígio… e engloba nesta resistência as pessoas que concorrem e colaboram com tais “inimigos”. Como consequência, o homem pode começar a viver universalmente sombrio, temeroso, suspicaz, agressivo… sente-se rodeados de inimigos porque declara inimigo tudo o que lhe resiste. No fundo, tal situação significa que a pessoa está cheia de aderências e apropriações. Pois bem, para entrar a fundo em Deus, o homem tem de ser pobre e puro.
A resistência emocional, por sua própria natureza, tem por finalidade anular o “inimigo”, uma vez que a emoção se concretiza em fatos. Existem realidades que, resistidas estrategicamente, são parcial ou totalmente neutralizadas, por exemplo, a doença, a ignorância…
Contudo, há muitas outras realidades que desgostam a pessoa e às quais ela resiste, mas não tem solução; são indestrutíveis por natureza. É o que, em linguagem comum, chamamos impossível, ou fato consumado, em que não há nada para fazer.
Se alguns males têm solução e outros não, abrem-se a nossos olhos duas condutas possíveis: a da loucura e a da sabedoria.
É loucura resistir mentalmente, ou de outra maneira, às realidades que, por sua própria natureza, são completamente inalteráveis. Olhando com a cabeça fria, a pessoa descobre que grande parte das coisas que a aborrecem, entristecem, ou envergonham não tem absolutamente nenhuma solução, ou a solução não está em suas mãos. Para que lamentar-se? Agora ninguém pode fazer nada para que não tivesse acontecido o que já aconteceu.
A sabedoria consiste em discernir o que posso do que não posso mudar, e em ligar os reatores no rendimento máximo para alterar o que ainda é possível, e para me abandonar, com fé e com paz, nas mãos do Senhor, quando aparecerem fronteiras intransponíveis.
Experiências do amor oblativo. Ninguém gosta de fracassar, ou que derrubem no chão a estátua de sua popularidade. Não causa satisfação a ninguém ser destituído do cargo, ser pasto de maledicência ou vítima de incompreensão.
Porém, estas e outras eventualidades podemos assumi-las não com satisfação, mas com paz e com sentido oblativo, como quem abandona nas mãos do Pai uma oferta dolorosa e fragrante.
É um amor puro (oblativo) porque nele não existe compensação de satisfação sensível. Além disso, é um amor puro porque se efetua na fé escura: o cristão, passando por cima das aparências visíveis da injustiça, contempla a presença da vontade do Pai, permitindo essa prova.
Diante de tantas coisas negativas, em lugar da violência, o cristão pode adotar uma atitude de paz, se decidir a tomar o caminho oblativo. No momento em que se apresenta a situação inevitável e dolorosa, o cristão lembra-se de seu Pai, sente-se gratuitamente amado por Ele, imediatamente nasce nele um sentimento entre agradecido e admirado para com esse Pai de amor: a violência interior se acalma; o filho assume com suas mãos a situação dolorosa; entrega-a e se entrega à vontade do Pai com o “eu me abandono em ti”; e a resistência se transforma em um obséquio de amor puro, em uma oferenda. Esta experiência não produz emoção, mas produz paz.
Abandono. Escondida no dourado cofre da fé, levamos a varinha mágica do abandono. Ao seu toque, os fracassos deixam de ser fracassos, a morte deixa de ser morte, as incompreensões deixam de ser incompreensões. Tudo em que toca se transforma em paz.
A este processo de purificação chamamos abandono. Esta palavra, e também seu conceito está cheio de ambiguidades. Em qualquer auditório que se pronuncie esta palavra, ela desencadeia nos ouvintes o rosário mais variado de equívocos: para uns está se falando de passividade; para outros está se recomendando resignação. É preciso saber que a resignação nunca foi cristã, mas estoica; por conseguinte, a atitude resignada se aproxima muito a fatalidade pagã. O genuíno e especificamente evangélico é o abandono.
Abandona-se uma carga de energia enviada da minha vontade contra um fato ou pessoa. Só com isso se apaga uma guerra e chega a paz. Isso supondo-se que o ato de desligar esta energia se efetua na fé e no amor, e neste caso o abandono passa a se constituir na via mais rápida para uma cura libertadora.
Quanto mais se resiste a um impossível, mais opressão sobre a vontade. Quanto mais oprime, mais se resiste, gerando um estádio de angústia acelerada, fazendo a pessoa entrar pouco a pouco num furioso círculo autodestrutivo.
Se o cristão abandona a resistência e se abandona nas mãos do Pai, aceitando com paz aquelas realidades que ninguém pode alterar, morrem as angústias e nasce a paz de um sereno entardecer.
Extraído do libro “Mostra-me teu Rosto” de Frei Ignácio Larrañaga, OFM